TALHOS NO CONCRETO

Fitou o concreto talhado com datas e orações. Um amargo humano distante envolveu sua língua; os pelos dos braços eriçaram na mente; inspirou profundo, sem encher os pulmões.
Alguém juntou-se às vibrações etéricas que ele cuspia. Via-se a pele viva que cobria aquele momento gelado. Saudaram-se com certa distância; as pernas, ancoradas pela lógica, tremiam. Um silêncio rasgava os ouvidos e secava a garganta, como quando andou pelos corredores do Estádio depois do evento. Um suor escorria e congelava as mãos, como quando se reuniu com o chefe. O muro de vida que os cercava pintou-se de imagens do passado: exaltadas, elegiadas, angustiadas, todas amadas…
As lágrimas fagulharam um incêndio que se alastrou por todo o gramado lamacento e mal cuidado. De repente, o fogo subiu pelas calças, encheu os bolsos de cinzas. Roeu a camisa devagar, chegou à gravata. As mangas não saíram ilesas - nem as da camisa, nem as do paletó. A labareda, em movimentos peristálticos, queimou a garganta e amargou a boca. No instante, Van Gogh pintou-lhe a cara. Ah, as lágrimas contidas naquela garrafa… até desordena os fatos.
O outro se encostava no ombro dele às noites, contava-lhe histórias em torno da lareira aquecida. Hoje, as histórias vagam pelo universo do tempo, junto com o calor. A lareira, agora, esfria a sala e estrangula o coração. O tapete ainda guarda a silhueta de seu corpo. E nenhum outro contorno se encaixa… O tempo-espaço tridimensiona os sentidos e os sentimentos, ventricula a vida e as possibilidades de viver; o tempo-espaço ouve o disco riscado; o tempo-espaço aposta no tarô viciado e no oráculo do manicômio.
Ele viu o concreto no meio da lama. Ele viu o invisível. Ele tocou o intocável. Ele cheirou o inodoro. Ele provou do insosso. Ele sentiu o insensível. Ele presenciou o vazio e para lá caminhou, sem fim, sem “sim”. Ele só. Só ele. Andou. Adeus.